domingo, novembro 27, 2011

LICEU: DE PAI PARA FILHA, UMA HISTÓRIA DE AMOR

 

                No clima das comemorações dos 131 anos, ouso
recordar e compartilhar a emoção expressa em palavras para
lá de simples, no volume 2, do livro "Liceu - Poesia e Prosa para
uma Homenagem".                      



                                        LICEU:
                  De Pai para Filha, uma História de Amor


                                                                                                                  Para Mariana Mayerhoffer Peralva,
minha primeira neta,
    nascida em 6 de outubro de 2005, que,  
certamente, vai conhecer e amar o Liceu.


                               Quando fui incumbida a auxiliar a professora Denise Menezes Balbi na organização deste volume, fiquei bastante entusiasmada, pois registrar sentimentos, lembranças e fatos sobre o Liceu de Humanidades de Campos, nos seus 125 anos de existência, é projeto bom demais, especialmente num país que não valoriza sua história e, conseqüentemente, trata com descaso a sua memória.

                               Minha intenção inicial é saudar os autores e colaboradores do “Poesia e Prosa para uma Homenagem”, volume II, sem, contudo, deixar de enaltecer a iniciativa de todos que tiveram a sábia e brilhante idéia de editar o primeiro.

                               Não imaginava, naquele momento, que seria árdua a minha tarefa. Sobretudo, porque compartilho este espaço gráfico com liceístas legítimos e autênticos, o que me coloca, na linguagem dos nossos antepassados, como uma liceísta “natural”, “adotiva”.

                               Filha de Themis Torres Lima, sobrinha de Hélvia Torres e de Geraldo Lima não é de surpreender que tenha cursado o Ginásio e a Escola Normal no Instituto de Educação Professor Aldo Muylaert, onde vivi parte da minha agradável e feliz adolescência e fiz inúmeras amizades, sendo que duas resistem bravamente, indiferentes a espaço, tempo e circunstâncias: Maria Coeli Campos Fernandes Ribas e Lígia de Freitas Sodré Vasconcelos.

                               Olhando com olho comprido, à distância, observava o Liceu de forma curiosa e perscrutadora, até que, em março de 1972, na gestão da professora Conceição Sardinha, meu tio Geraldo Lima, amicíssimo de D. Conceição e desejoso de colaborar com o futuro da sobrinha, conseguiu uma vaga para mim, como professora substituta, já que a  professora Nilce Brandão assumira a Coordenação de Inglês.

                               Se o coração batia forte, diante do novo desafio a enfrentar, a paisagem não me era, absolutamente, estranha, pois já a conhecia, com riqueza de detalhes, através dos relatos, banhados de saudade e afetividade do meu sempre querido e amado pai, Osvaldo Lima. Entre as suas paixões, o Liceu ocupava lugar de destaque, embora o tenha freqüentado por pouco tempo, pressionado pela necessidade de trabalhar para ajudar no sustento da família. Freqüentes eram as suas viagens pelo túnel das lembranças, quando, às refeições ou deitado na cama, no quarto da sogra, minha avó Mariana Ferreira Paes Torres, se punha a contar passagens interessantíssimas, todas precedidas da observação de que “era um lugar onde me sentia igual a todos os outros, não havendo discriminação entre pobres e ricos”. Talvez, fosse esse o seu encantamento maior, já que era filho de um pintor de parede, fato do qual muito se orgulhava.

                               Assim, misteriosamente aliciada e seduzida, já eram meus conhecidos: o sino; o portão de ferro; o mirante; a austeridade e a bondade de S. Olímpio; o grandioso saber do professor Jerônymo Ribeiro, expresso na singeleza e na humildade que só os grandes de espírito conseguem ter; a forma carismática e autodidata com que o professor João da Hora administrou, por muitos anos, o destino da escola; o Orfeão Juca Chagas, regido pela querida tia Alcídia e que nos brindava, a cada Natal, incluindo a nossa casa na sua peregrinação natalina. Posteriormente, o Orfeão ficou sob a direção artística da talentosa e criativa Nicolina Bello de Campos, de quem guardamos gratas e suaves lembranças.

                               O Conjunto de Percussão Dora Pinto, regido pela vibrante Evany Medina; a LAECE e seus incríveis “rapazes diretores”; o Teatro Liceísta, comandado pela saudosa e competente Ruth Ribeiro do Rosário, cujas apresentações eu não perdia, no antigo Trianon; a Banda Marcial João Tavares da Hora, com suas balizas e o imponente uniforme, nas cores branca e vermelha; a Banda Arlindo Farinelli, com quem tive a honra de conviver e desfrutar da presença amiga e muitas, muitas outras lembranças, nas quais Tarcidy Coutinho (o nosso memorável Tacinho), S. Rubens, Makeda, S. Ivo, D. Latife, minha tia Celi Lima, Daria, S. Jaime, D. Jacira, Creuza Tomás e Jorge da Paz Almeida passeiam livres e prazerosamente.
                               Este último, o “véio” Jorge “Chinês”, me deu a honra de desfrutar, mais um pouco, da sua convivência, de 1993 a 1996, quando presidi a Fundação Cultural Jornalista Osvaldo Lima, sendo ele funcionário da Biblioteca Municipal Nilo Peçanha. Impossível não incluir Jorge entre os patrimônios campistas, cuja contribuição à cultura popular, ao folclore e à cultura afro-brasileira é valiosa e marcante. Salve, Jorge!

                               A cada 7 de setembro, meu pai saía religiosamente, não só para prestigiar a filha e a escola da qual fora Diretor, mas para ver o seu inesquecível Liceu que, segundo a tradição, encerrava a parada. Lembro-me, nitidamente, de sua emoção, incontida nas lágrimas, diante do desfile que marcou a gestão do Dr. Ewerton Paes da Cunha, tema do seu poema “Liceu da Independência”, dedicado à amiga e comadre Alcídia Perez Pia e que consta do volume I .

                                Saudando, finalmente, esse jovem velho Liceu, nos seus 125 anos, o faço dedicando essas simplórias palavras a um liceísta ilustre, do qual, como ele mesmo escreve em recado para tio Hervé (Hervé Salgado Rodrigues), sou “porta-estandarte do seu fã-clube”: José Cândido de Carvalho.

                               Numa ousadia sem igual, rabisco um bilhete para Zé Cândido, esperando que chegue breve no céu, durante uma reunião celestial do “rotary clube literário”, que tem, no quadro de Sócios Beneméritos, tio Hervé, S. João (João Sobral), Dr. Edgar Coelho dos Santos e Osvaldo Lima, todos com cadeiras cativas.

Campos dos Goytacazes, 22 de novembro de 2005.


Caro amigo Zé Cândido,

                                               Apesar do imposto de renda e do enfarte; da bomba atômica, do transplante e outras tantas catástrofes, descobriu-se por aqui uma forma de encarar esse mundo que, segundo você mesmo, “não está mais por conta de Deus e já está agindo por conta própria”. Chama-se espírito liceísta.                                         

                                               Com certeza, você sabe do que estou falando, pois em todas as suas entrevistas, o princípio ativo, o Liceu de Humanidades de Campos, era sempre citado.
               
                                               Esclareço que, depois que você e os companheiros de “rotary” partiram, além da massa de cimento que sepultou casas, chácaras e palacetes de sua “Campos dos Goitacases”, inventaram um tal de remédio genérico, que, segundo as autoridades do Ministério da Saúde, tem a mesma ação terapêutica e qualidade do receitado, com a vantagem de ser mais barato.

                                               No caso em questão, não vale o genérico, apenas o original.
                                              
                                               Assim, o espírito liceísta é remédio certeiro que espanta depressão e síndrome do pânico e aqueles que o adotam ficam, definitivamente, contaminados, esquecendo até os problemas mais graves, entre eles, a poluição, os juros e a violência.
               
                                               Aplicado anualmente, com dose reforçada a cada 22 de novembro, seus milhares de usuários ainda acreditam no poder da poesia e da ternura, deixando-se tomar pelo verde da terra e o azul do céu. Apreciam os pássaros e as rosas e, pode ficar sossegado, não aceitam “trocar o sabiá pelo computador”.   

                                               Caminham com seus amores de mãos entrelaçadas, “pisando no luar” enquanto o mundo explode em desamor.

                                               Cultivam o abraço saudoso, o telefonema amigo e solidário, promovendo encontros freqüentes, banhados pela alegria na celebração do reencontro, ignorando os preceitos impostos pela era da comunicação e seu sofisticado aparato, que, contraditoriamente, favorecem a solidão, promovendo o isolamento.

                                               Sempre que se reúnem, os adeptos do espírito liceísta entoam uma melodia e versos para lá de conhecidos, mas cada audição é como se fosse a primeira - a garganta embarga e os olhos se tornam embaçados pelas lágrimas - como se o passado se fizesse hoje e o futuro só fosse possível porque “consideram o canto do galo e o brotar das madrugadas”.

                                               Já me despedindo, temerosa de que ao me estender meus caridosos leitores se reduzam ainda mais, te envio um montão de saudades, além da informação de que o “Coronel” voltou a ser filmado, já estreou e parece que, dessa vez, será um estrondo de bilheteria.

                                               O Liceu de Humanidades de Campos te manda um forte abraço, extensivo aos companheiros de “rotary” e, se tudo que eu contei não foi convincente, dê uma espiadinha aí do alto para esta “terra de encantos” e você verá que entre referendos, mensalões, pólo petroquímico e outras confusões e “acasos”, os liceístas  continuam fazendo a diferença, certos de que “O Liceu é um Universo que jamais será revelado em sua totalidade, mas, o verdadeiro significado de ser liceísta está dentro de cada um de nós”(¹).

                              
Maria Cristina Torres Lima

7 comentários:

  1. CRISTINA LIMA, PARABÉNS! BELA HOMENAGEM AO NOSSO TÃO QUERIDO "LICEU".

    PEÇO PERMISSÃO PARA INCLUIR TRÊS PESSOAS QUE SE DEDICARAM COM CORAÇÃO E MENTE , OS BRILHANTES: LULU BEDA; O SENSACIONAL LUIZ MAGALHÃES E A NOTÁVEL MAGDALA FRANÇA VIANNA!

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  2. Brilhante, Cristina. Vc traduziu o grande mistério que os liceistas carregam consigo para o resto da vida:um amor irretratavel por esta escola mítica.
    Parabéns!
    Fernando

    Obs: o bilhete para Zé Cândido está no estilo dele. Uma jóia.

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  3. Numa segunda-feira de novembro, chuvosa e com liminar acabando, só a bondade de um coração como o seu, Fernando, e uma amizade que pretendo levar à eternidade, poderiam me proporcionar um bater tão forte do coração, ante a surpresa dessa postagem! Agradeço, profundamente, mais essa gentileza, envolvendo, tb, o anônimo que se manifestou! Forte e carinhoso abraço.

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  4. É com lágrimas nos olhos que termino de ler ...
    A mística liceista é DEMAIS e quem não a tem em seu espírito , que pena, passará sem sentir ¨algo¨ incomunicável mas espetacularmente presente dentro de cada liceista...
    Qta saudade...

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  5. Cara Cristina,
    por instantes me vi de novo naqueles corredores mágicos do velho Liceu.
    Muito, muito obrigado!

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  6. Cara Maria Cristina, torno tambem minhas as suas lembranças, obrigado por compartilhá-las de forma tão generosa. A propósito, como diria o meu amigo Esio Macedo, tambem liceista, acredito piamente que não há no mundo todo montanha mais alta do que aquele último degrau da escadaria do Liceu, quando é pela primeira vez vencido.
    Mais uma vez, grato pelas lembranças, do seu "compatriota",
    João da Hora Filho

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  7. Cara Maria Cristina, com sua permissão, torno agora tambem minhas as suas lembranças. Obrigado por compartilhá-las de forma tão generosa.
    E por falar em lembranças, diz o meu amigo Esio Macedo, outro liceista apaixonado, que não há montanha mais alta do que aquele último degrau da escadaria do Liceu quando galgado pela primeira vez.
    Um abraço agradecido pelas lembranças, do seu "compatriota"
    João da Hora Filho

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